segunda-feira, 20 de junho de 2011

MISTÉRIOS DE PIRACICABA VII


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PÂNICO DE 1842
I





No Dia 17 de maio de 1842 os sinos das igrejas de Sorocaba tocaram a rebate.



Ateava se extemporâneamente o facho da revolução. Pouco depois reuniam-se a Camara Municipal e o povo, proclamando o coronel Rafael Tobias de Aguiar, como presidente interino da província de São Paulo.



Empossado do cargo, foz o coronel Rafael Tobias a seguinte proclamação que, em texto impresso, está guardada no cartório do Registo Geral desta cidade:



PAULISTAS : Os fidelíssimos sorocabanos, vendo o estado de coacção a que se acha reduzido o nosso Augusto Imperador o Sr. D. Pedro II por esta Oligarquia sedenta de mando e riqueza, acabam de levantar a voz, elegendo-me presidente interino da Província para debelar essa hidra de trinta cabeças, que por mais de uma vez tem levado o Brasil à barda do abismo, e libertar a Província desse Procônsul, que postergando os decretos mais sagrados veio comissionado para reduzi-la ao do mísero Ceará e Paraiba. Fiel aos princípios que hei adotado constantemente na minha carreira publica, não pude hesitar em dedicar mais uma vez as minhas débeis forças na sustentação do Trono Constitucional.




PAULISTA! O vosso patriotismo já deu o primeiro passo precedendo e seguindo os vossos representantes quando fieis interpretes de vossos sentimentos, clamaram contra essas leis que cerceando as prerrogativas da Coroa e as liberdades publicas, deitaram por terra a Constituição: o vosso valor e firmeza farão o resto. Mostremos ao mundo inteiro que as palmas colhidas nas campinas do Rio da Prata não podem definhar na do Ipiranga.



Os descendentes do ilustre Amador Bueno sabem defender os seus direitos a par da fidelidade devem ao Trono. União e a Pátria será salva

Viva a Nossa Santa Religião
Viva S M, o Imperador
Viva a Constituição
Rafael Tobias de Aguiar

Os revoltosos expediram imediatamente emissários para as povoações vizinhas com o fim de obterem o reconhecimento do seu governo. Veio a Piracicaba o dr. João Viegas Forte Muniz, um dos chefes revolucionários e aqui entendeu-se com o chefe liberal, o vigário colado Pé. Manoel José de França e por delegação de poderes o fez comandante militar desta praça.



O padre França, de pronto, pôs em ação toda a sua energia e influência, e logo daqui marcharam, com presteza, uma força de guardas nacionais para Itu e outra de guardas policiais para a Venda Grande, próximo a Campinas.



Convém aqui mencionar que o comandante militar de Itu, Tristão de Abreu Rangel, referindo-se ao pessoal piracicabano ali chegado para reforçar a coluna Libertadora, disse, em ofício dirigido no Presidente interino: Ao chegar a Coluna Libertadora no lugar denominado Pírajussara, aquém do ribeirão dos Pinheiros próximo a São Paulo, o entusiasmo dos rebeldes se arrefeceu, devido á noticia alarmante de estar aquela cidade já guarnecida por batalhões de caçadores e fuzileiros do exército nacional, comandados pelo Barão de Caxias, vindos a toda-pressa do Rio de Janeiro, a requisição do Barão de Monte Alegre, presidente da província.



A Coluna Libertadora não tinha a mínima organização militar e estava pessimamente armada e municiada.



A seguinte ocorrência, seguramente muito aumentada pelo relator, um partidário doa legalistas, evidencia o gráu de preparo dos rebeldes, dias antes de chegarem a Pirajussara.



Tinha sido confiado ao tenente Corrêa um grupo de matutos para ministrar-lhes o exercício de marcha, mas estes não acertaram os passos, confundindo o pé direito com o esquedo, ao receber as ordens.



Lembrou-se então o tenente de atar uma cinta de palha na perna direita dos novos soldados e outra de capim na esquerda: e assim começava o exercício :



—Passo à frente, pé de palha... marcha... 'pé de 'capim... pé de palha... um... dois... um... dois... pé de capim... pé de palha... assim não falha, até o fim... alto.



O major Francisco Galvão de Barros França, comandante da Coluna Libertadora, foi um valente soldado nas campanhas ao sul. Corajoso a honrado entendeu, todavia, que não devia sacrificar o seu pessoal, combatendo contra a flor do exercito brasileiro, aguerrido pelas lutas renhidas, travadas no norte do Império.



Diante da perspectiva de uma carnificina inútil determinou a retirada para Barueri. A essa retirada seguiu-se a debandada e, depois, o salve-se quem puder.



O Barão de Caxias, general em chefe do Exercito Pacificador, aquartelou-se em Sorocaba em 21 de junho de 1842, sem que tivesse tido um só encontro com a Columna Libertadora, e com a sua aproximação, daquela cidade desapareceram os chefes do movimento revolucionário, a não ser o senador padre Feijó, doente e quase incapaz de movimentar-se.



O próprio Barão de Caxias foi á casa onde se achava hospedado esse grande brasileiro lá disse-lhe com acatamento : "só o dever de soldado me impõe o doloroso dever de vir prender ao senador Feijó, um dos chefes do movimento revoltoso. Convido-o a acompanhar-me.



De Sorocaba ordenou Caxias que o capitão Butiá fosse com um pelotão do execito á fabrica de ferro do Ipanema e de lá à Villa da Constituição, devendo chegar neste, ultimo ponto, de surpresa, pela estrada-picadão, que faz parte da fazenda Sobrado de Botucatú, a fim de prender o padre França, o Gordo e assim, outros liberais implicados na revolução.




O capitão Butiá encontrou homiziados na fabrica de ferro do Ipanema muitos dos revoltosos e prendeu-os, entre eles o porto-feliciense capitão José Rodrigues Leite (o Zuza) um dos mais inteligentes, influentes e operosos chefes dos revolucionários, o avô do nosso distinto conterrâneo e ilustrado médico dr. José Rodrigues de Almeida, que, por sinal, tem acompanhado com interesse e feito, entre nós, severas criticas aos “Mysterios de Piracicaba».

Do Ipanema o capitão Butiá procurou a confluência dos rios Tietê e Piracicaba e atravessou aquele rio no lugar denominado Barreiro Rico, onde passava a estrada picadão que vinha à Constituição.



A travessia do rio foi feita num dia chuvoso o tendo de continuar a caminhada em um sertão de matas brutas, continuando as pancadas fortes de chuva, o capitão Butiá teve que fazer alto e aquartelou-se no sitio que Pedro Ferraz Castanho, ali estava abrindo.



Pedro Ferraz Castanho, um dos influentes do partido liberal de Piracicaba e avô do sr. Henrique Brasiliense, ilustrado lente da Escola Agrícola e apreciado colaborador deste jornal, depois da noticia da debandada da Coluna Libertadora, preferiu estacionar, por algum tempo, no seu novo sitio do Barreiro Rico, em vez de sua aprazível e boa fazenda no Rio das Pedras.



Não imaginara que a estratégia do Barão de. Caxias conceberia o plano de avançar para a Villa da Constituição, procurando a confluência dos dois rios e daí distribuir forças, parte delas subindo em canoas para cercar os fugitivos, em demanda dos sertões de rio abaixo e as restantes marchando por terra em péssima estrada.



Não contava com a visita de tantos hóspedes e, por isso, naquele dia chuvoso, estava com os seus escravos africanos dentro do paiol no afân de empilhar as espigas de milho. Da curta palestra que entreteve com o Capitão Buitá com Castanho, compreende-se que aquele tinha diante de si um homem sincero, ordeiroe trabalhador, no entanto dispôz do sítio de Castanhocomo se fora do governo, arrecadando todos os animais de sela e de cargueiros, utilizando-se dos víverese ordenando que ninguém se retirasse daquela propriedade agrícola sem ordens.







A despeito desta proibição, logrou Castanho avisar o seu vizinho Francisco Idalgo, para que mandasse um próprio, à toda brida, à vila afim de noticiar aos piracicabanos a presença dos forças de Caxias naquele lado e recomendar que não descessem os fugitivos o rio, visto como subia per ele um batalhão com tropas.



A notícia trazida pelo portador de Idalgo produziu um verdadeiro pânico era Piracicaba, como veremos no capitulo seguinte.







PÂNICO DE 1842




II




Os dirigente dos rebeldes piracicabanos na revolução de 1842, como já foi dito no capitulo anterior, eram: o vigário colado padre Manoel José de França, o senador Vergueiro e o Gordo; estes dois últimos tinham as suas propriedades agrícolas em Limeira e o ultimo veio a ser, mais tarde, sogro do coronel Carlos Botelho e dos drs. Moraes Barros.

Logo depois da noticia da fuga dos chefes revoltosos em Sorocaba, o padre França retirou-se para Araraquara, o senador Vergueiro foi com outros chefes políticos da Capivari jogar o solo na fazenda de Jucá Fernando, nas divisas entre Capivari e Piracicaba, permanecendo aqui apenas o Gordo.



Gordo, durante o primeiro mês da revolução, tornou-se um infatigável, percorrendo a zona de Limeira, Piracicaba e Capivari e instigando os liberais a auxiliarem o mais possível a Coluna Libertadora.



Usava, porém, de uma linguagem desbragada e inconveniente contra todos os chefes da legalidade. Tratava-os de "cascudos, "corcundas", e "absolutistas" e quando se referia ao Barão de Monte Alegre, presidente da província, e grande proprietário de engenhos de açúcar em Piracicaba, chamava-o de ex-presidente BAHIA ou simplesmente —o "bahiano”.



Com a noticia da aproximação do capitão Butiá, Gordo retirou-se para a grande chácara do Enxofre, porém ali demorou se apenas dois ou três dias, por não poder suportar os enxames de pernilongos no rancho do canavial, onde se homisiara e porque recebera a noticia inteiramente falsa que Castanho e Idalgo tinham sido presos e vinham algemados e a pé dentro de um quadrado de "periquitos" — nome esse que davam aos soldados do exercito, por causa da farda verde que usavam.



Gordo entendeu que seria preferível esconder-se, e ser preso na própria casa do chefe ''cascudo” major António Fiusa de Almeida, do que ali no canavial.



Valeu-se, para isso, do seguinte expediente, que surtiu efeito por ser baixo e gordo: vestiu-se com roupa grossa de mulher, pintou de preto o rosto e as mãos, pôs um balaio na cabeça, partiu para a casa de Fiusa e ali, penetrando corredor adentro, ao avistar dona Rita Fiusa assentada na rede da varanda, deu o “louvado», tal como faziam as escravas.



Dona Rita logo que reconheceu.



Gordo, perguntou-lhe como é que se apresentava, nesta ocasião tão fora de propósito, na casa de um inimigo político, que, aquelas horas, com outros o procuravam para prender; ao que respondeu Gordo que vinha a procura de guarida e se por acaso naquela casa fosse preso, tinha a certeza que não seria maltratado pelos soldados.



Dona Rita, paulista egrégia, aconselhou a Gordo que se ocultasse no pavimento térreo de sua casa e mesmo tempo recomendou às suas escravas que não denunciassem a vinda desse hóspede.



Ao chegar Fiusa, dona Rita fez-lhe ciente da resolução que tomara em sua ausência e ponderou que competia a ele decidir o que entendesse ser mais acertado.




Fiusa de Almeida não só aprovou o procedimento de esposa como ainda acrescentou: o que vai acontecer é que temos de dar-lhe asilo até que venha a anistia.



Esse rasgo de generosidade hospitaleira, da família paulista, não é o único caso registrado durante a revolução- fatos quase que idênticos se deram em Campinas, Jundiaí e Itú.




No dia seguinte à acolhida dada a Gordo, o capitão Butiá visitava a Fiusa, em casa deste, e iniciou a sua palestra lamentando o fato de ainda não ter podido prender Gordo. É a essa «boava», dizia ele , que eu quero agarrar e mostrar a esse dêsbriado o quanto vale estar apoiando o Rafael Tobias, esse desenfreado inimigo de todos que não são paulistas" !




Gordo, debaixo da sala de visitas e em um quarto com pouca altura do chão, arranhava o soalho debaixo da cadeira em que estava asssentado Fiusa, cada vez que Buitá citava o seu nome, indicando, naturalmente, que estava ouvindo o que diziam, que estava garantido, ou que tinha chiste a bravata militar.




Os legalistas ou «cascudos» de Piracicaba, que estiveram cabisbaixos nos primeiros dias do movimento revolucionário, com a aproximação do pelotão do exército, comandado pelo capitão Butiá, assentaram de tirar a sua desforra, amedrontando os adeptos da revolução.
E, realmente despicaram-se dos doestos e troças recebidos.




O capitão João Francisco do Oliveira Leme, homem de bastante trato social, que se exprimia bem e que muito blasonou no inicio da revolução, agora deixou-se apanhar pelo pânico de um modo lamentável. Ao receber a notícia trazida pelo portador de Idalgo, escreveu uma carta ao seu compadre António Florencio da Silveira, no bairro do Rio das Pedras pedindo condução e se possível viesse ele mesmo buscá-lo, pois, sentia-se abatido e receava faltar-lhe animo para fazer a caminhada sozinho.




No dia seguinte António Florencio encontrou a porta da casa do capitão João Francisco cerrada e foi descobri-lo no quintal, junto a uma toiça de bananeira, pálido e tremulo, em virtude de ter acreditado na balela da que o seu bom e velho amigo Pedro Ferraz Castanho vinha algemado e escoltado pelos «periquitos».




Para maior efeito do pânico os cascudos aconselhavam aos liberais que deixassem a vila quanto antes, e fossem para sítios diversos afim de não serem presos e a outros menos timoratos que desejavam informar ao capitão Butiá que a debandada Piracicaba era completa — não havendo um só rebelde para semente e que tal informação faria com que a permanência desse oficial na Vila fosse de curta duração, poupando a população de estar suportando por muito tempo os soldados desalmados das tropas de linha. Levado por essa primeira injunção, entre outros, Caetano da Cunha Caldeira deliberou deixar a Vila o foi para o seu sito, além do Congonhal.




Ao se aproximar desse ribeirão começou a ouvir gritos de gente que o seguia cada vez mais de perto; desviou então a sua cavalgadura para um carreador já abandonado, porém logo adiante encontrou um terreno alagadiço e com as estivas já apodrecidas. Tratou então de transpô-lo, puxando o animal; porém, logo que deu os primeiros passos uma das estivas cedeu e ficou ele com um dos pés atolado e ao sacá-lo fora descalçou se lhe a bota do pé.




Sem perda de tempo deixou ficar a bota, montou de novo e voltou o animal a toda pressa para o caminho que tinha deixado.




O pajem, um africano, que observara ter Caldeira deixado um pé das botas, se apressou em apanhá-lo, o que fez e de galope foi ao alcance do seu senhor.




Avistando-o gritou:bota, sinhô... bota, sinhô...




Cunha Caldeira, julgando que vinham perto os seus perseguidores, deu rédeas ao seu animal e só muito depois, quando o africano repetiu com insistência: pare, sinhô...bota tá aí... bota tá aí...é que ele sofreou seu animal...




Foi curta a estada do capitão Butiá na Vila da Constituição, que o povo teimava em chamar de Piracicaba, e aqui não foi realizada qualquer prisão, constando apenas que houve busca e apreensão de cartas e documentos comprometedores em casa do vigário padre França.




Com a retirada do capitão Butiá terminou o pânico de 42.




HUGO CAPETO






Glossário




Oligarquia:-
regime político em que o poder é exercido por um pequeno grupo de pessoas, pertencentes ao mesmo partido, classe ou família.

Timorato.
que tem temor, que tem medo de errar

Homiziar
Criar inimizade(s); inimizar, indispor, malquistar