quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Mistérios de Piracicaba -1-



A Loca de Pedra



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Explicações


Por todas as avaliações que sejam feitas desta cidade, falando de seu explosivo desenvolvimento do início do século XX, de ter sido considerada com um Atheneu Paulista, por ser fonte geradora de múltiplos fatos dentro do ensino, do trabalho, das artes ou até mesmo lugar de vida de figuras ilustres, por ter se envolvido em revoluções, não muito se falou sobre seus costumes, seu misticismo, suas figuras do dia a dia, de sua habitualidade.

Com o firme propósito de vermos expostas facetas pouco conhecidas, eis que partimos em busca de verdades e/ou fatos dentro destas metas. Talvez alguns sejam pouco saborosos. Outros, o tema mostra-se tão irreal, que é obvio a capacidade de criação fantasiosa de quem redigiu.
Em alguns capítulos a serem abordados, o relatado permanece imerso em uma névoa, onde a realidade mistura-se com a ficção, e perdemos os parâmetros para a exata avaliação. Em outros, é nítido que é um fato é ou ficção.

Alguns dos capítulos mencionados foram escritos sob o pseudônimo de “Hugo Capeto” e publicados no Jornal de Piracicaba na década de 1920 sob o título de “Mistérios de Piracicaba”, que iremos manter. Debalde os esforços feitos, não conseguimos identificar o nome da pessoa que escrevia sob este pseudônimo. Várias hipóteses foram aventadas, mas na ausência de qualquer comprovação, preferimos omitir estes nomes.

A LOCA DE PEDRA

Quando em 1877 o fragor da dinamite estilhaçando rochas e o rumor cavo e profundo dos alviões rasgando a terra, pouco mais longe onde a cidade acaba, para além do Bairro Verde, anunciavam o advento da primeira linha férrea, em Piracicaba, o local onde deveria construir-se a estação da Sorocabana era uma incógnita que comportava múltiplas soluções para os bons moradores desta antiqüíssima Constituição.


Certamente as rodas da via férrea atingiram a margem do ribeirão Piracicamirim e transpondo-o na bifurcação das estradas de Santa Bárbara e Rio das Pedras ou alhures, viriam terminar nas margens do rio Piracicaba, com de Araritaguaba (Porto Feliz) e pelas canoas e balsas que rio acima vinham abicar na Rua do Porto.



Era esta, pelo menos, a solução dada àquela incógnita pelo antigo piracicabano, coronel José F. de Camargo, senhor de largo descortino comercial e grandes latifúndios, na baixada que fronteia o rio e por onde se estendem hoje a Rua Luiz de Queiroz e adjacências.

Então (quem nos conta esta historia é Harun-Al-Raschid, não o califa de Bagdá lendário e brumoso, mas, o outro, visível e palpável, o homem dos mistérios, que os guardas noturnos encapotados e friorentos vêm passar, por noite alta, nos lugares tenebrosos), então o Coronel José Ferraz concebeu o plano de uns vastos armazéns para cargas, com quartos sobressalentes para hospedarias e cômodos para negócios — e no quarteirão remanescente entre as ruas do Salto (R. Cristiano Cleopath) e do Rocio (R. Mns Manoel Francisco Rosa) lentamente foi levantando aquela comprida construção em pedra e ferro.

Mas, a 19 de maio daquele ano a estrada foi aberta ao trafego e a estação, falhando a todas as conjecturas, acabava por erguer se no Bairro Alto, pouco aquém do parque Barão de Serra Negra — e os vastos armazéns da Rua Luiz de Queiroz estacionaram também acima dos alicerces, sendo despedidos os pedreiros espanhóis que iam erguendo aquelas muralhas a dois mil e tantos réis por dia.


Mais de uma década havia decorrido, a hera e o musgo já se estendiam virentes e ovantes sobre a tosca alvenaria rejuntada com cimento, quando o primitivo plano foi modificado e construiu-se e sobradão de meio tijolo, com oito frestas superiores e quatro portas e outras tantas janelas no pavimento inferior, ficando apenas em arcadas obstruídas com tijolos a parte da alvenaria que confina com a Rua do Rocio.

Outro sobrado ergueu-se mais tarde ao lado, as paredes da Rua do Salto foram levantadas e cobertas por um telhado e antes, bem antes do honrado Toretti instalar ali o seu honrado balcão, já o primitivo sobradão pintado do amarelo. Era o cortiço, conhecido pitorescamente pela denominação popular do — Loca de Pedra.


Cortiço de vida noturna intensa pelos seus cubículos virgens de vassoura, onde a poeira negra dos anos decorridos se casa tão magnificamente com o viver anti-higiênico dos moradores, tem passado os vultos mais eminentes do cadastro policial - e à claridade baça das noites enluaradas, sob o rumor estrondoso das águas do Salto, ou nas noites tenebrosas em que o vento Sul fustiga os coqueiros da vargem e levanta em turbilhões a poeira grossa do macadame da rua, muitos dramas sinistros, bastas tragédias sangrentas tiveram por palco o pavimento escuro daqueles cubículos.


O «Prateleira», que atualmente expia numa das prisões da cadeia duas penas por crime de roubo com ferimentos e crime contra a honra iniciou-se na «loca d« pedra», onde o “Totico”, muito antes do conflito que lhe valera um tiro na barriga e vários meses de reclusão à sombra do xadrez, já ensaiava a cabeça contra o ventre dos antagonistas ou movia as pernas num fandango ao som da sanfona fanhosa do «Zé Estanislau»; outro «cabra famoso», lá das bandas de Capivarí, comparsa da «Loca de Pedra», que marca as suas entradas em Piracicaba com alguns pontaços de faca e varias passagens consequentes pelo banquinho dos réus, mas sempre absolvido!


«Rocambole», «Guilhermino», Japonês, épicos varões da faca ou do porrete e tantos outros, cuja nomenclatura encheria tiras e tiras de papel e cujas façanhas enchem a crônica do cortiço, justificando a alcunha que circunda como uma auréola de fastígio — "Loca de Pedra"!...

Se a fauna que a frequenta tem produzido tantos e tais espécimes, que avultam nos prontuários da Delegacia de Policia, não menos interessante é a flora que nele vegeta e também merecia uma descrição sucinta e breve.

Eu desejaria apresentar a todos a tia Tereza, matrona precoce, curtida dia e noite pêlos vapores nauseabundos de uma cachaça ordinaríssima, a Julinha, um tenro botão de quinze anos de idade apenas e também fanado pelo álcool causticante de vastas camoecas , a Libânia Rita louçan e dengosa, um ciúmes vivo para as outras saias e um perigo constante a pairar por sobre os corações do sexo de calças, mas...já o galo cantou pela terceira vez: já o oriente empalidece ao clarão difuso das luzes da madrugada e tudo anuncia que o meu poder diabólico e evocativo é findo.


HUGO CAPETO


Nota

Meus pais sempre se referiam a este local quando passávamos nas cercanias do antigo Jardim da Ponte (hoje ocupado pelo Hotel Beira Rio e área da Biblioteca Municipal), ou quando caminhávamos pela Rua Luiz de Queiróz, ainda quando era criança. E deste tempo remoto, restou o vislumbre de sua base, e que avento a hipótese de ter sido as ruinas do referido local, hoje inexistentes, da loca de pedra...











Alvião: instrumento de ferro constituído de um cabo de madeira, uma lâmina com feitio de enxada, de um lado, e uma ponta semelhante à da picareta, do outro, us. para cavar terra dura, arrancar pedras etc.; enxadão, marraco.

Loca: pequena gruta, furna, lapa.

Camoeca: doença passageira, sem gravidade; achaque, embriaguez.
Fanar: cortar.
Fastígio: ponto ou lugar mais alto, cume, pico.s
Macadame: Processo de revestimento de ruas e estradas que consiste numa mistura de pedras britadas, breu e areia, submetida à forte compressão.

Ovante: triunfante, vitorioso.
Virente: que verdeja, viçoso.

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